Aliança com os irmãos.
Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma. Saul, naquele dia, o tomou e não lhe permitiu que tornasse para a casa de seu pai. Jônatas e Davi fizeram aliança, porque Jônatas o amava como à sua própria alma. Despojou-se Jônatas da capa que vestia e a deu a Davi, como também a armadura, inclusive a espada, o arco e o cinto (1 Samuel 18.1).
Estamos unidos em um só corpo – a Igreja de Cristo –, e como membros desse corpo estamos unidos de uma forma viva e orgânica. Não somos, simplesmente, uma mera platéia assistindo cultos dominicais, nem simples consumidores de um produto espiritual produzido nas igrejas. Somos a comunidade da aliança.
Foi Deus mesmo quem, de uma forma misteriosa, nos inseriu nesse contexto de vida. Basta observar o amor que surge em nossos corações pelos irmãos, logo que se convertem. Esse amor não é fruto da convivência, nem mesmo de uma identificação pessoal ou circunstancial. Quando a gente se encontra com outro irmão, algo dentro de nós grita por algo que está dentro dele. Eu sei que é a vida de Deus nos unindo.
Em outros países percebi-se de forma clara o quanto isso é precioso. Irmãos que falam outro idioma, que tem outros costumes e fisionomias tão diferentes, parecem fazer parte de uma só família.
É por isso que declaramos em alto e bom som: somos a comunidade da aliança. A vida de Deus em nós é o vínculo dessa aliança.
Uma mãe não precisa aprender a amar o filho recém-nascido. Parece que algo dentro dela a impulsiona para ele. Há uma ligação de vida entre ambos.
A nossa união fraternal não é meramente doutrinária; é uma realidade espiritual.
O amor de Deus não precisa da convivência entre as pessoas para desenvolver-se. Não confessamos o nosso amor, uns pelos outros, simplesmente porque estamos juntos na mesma comunidade, ou porque conhecemos as fraquezas uns dos outros e aprendemos a aceitá-las, ou porque nos identificamos com elas.
A expressão desse amor tem uma motivação bem simples: existe algo – a vida de Deus – em você que é atraído por algo – a vida de Deus – que está dentro de mim, como se fôssemos parte de um todo que procura unir-se em e através de nós. É por isso que podemos olhar no olho do nosso irmão e dizer: “Meu irmão, eu preciso de você! Não sei como nem por quê, mas sem você eu sou incompleto.” Que coisa misteriosa é esse vínculo que nos une!
Ao contrário de Davi e Jônatas, nós não temos a opção de escolher uma pessoa, em particular, e fazer uma aliança com ela. Assim como não escolhemos pais e irmãos na carne, também não escolhemos nossos irmãos na fé. Deus os escolheu por nós. Mas as características da aliança entre Davi e Jônatas são comuns a todos nós.
Precisamos compreender esses princípios e aplicá-los. Não queremos ser apenas uma igreja centrada na Palavra, uma igreja de fé e sinais, uma igreja de vencedores; mas, acima de tudo, queremos ser conhecidos como uma igreja de amor. Na aliança entre Davi e Jônatas, encontramos alguns princípios que também se aplicam a nós, a comunidade da aliança.
1. Entregando a capa
A nossa aliança de amor é uma aliança de amizade. Depois de ter feito uma aliança com Deus, Abraão foi chamado amigo de Deus. A aliança foi a base dessa amizade. Quando andou na terra, Jesus foi chamado de amigo de pecadores. Qual a razão disso? Porque, sendo Deus, Ele se fez homem para tomar o nosso lugar na cruz. Ele estava em aliança com o homem pecador. Só há amizade genuína quando há aliança.
Um grupo familiar bom, saudável e forte não é, necessariamente, o maior, mas aquele onde os membros estão vinculados em amor e amizade. Não fazemos cultos familiares; ao contrário: temos um encontro da família de Deus nas casas.
Após ter firmado uma aliança com Davi, Jônatas despojou-se da capa que vestia e a deu ao amigo. Com esse ato, ele estava dizendo que amigo é aquele que guarda o outro. O amigo nunca expõe a debilidade do outro. Um irmão não se alegra com as falhas do outro e jamais as expõe ao público. Pelo contrário, ele tira e dá a própria capa, e a dá ao amigo para cobrir-se e proteger-se com ela. É como se o irmão estivesse desnudo, e colocássemos uma capa sobre ele. Não significa que vou tornar-me cúmplice dos pecados dele. Significa que, mesmo confrontando-o, eu jamais mostrarei aos outros as fraquezas dele.
2. Despojando-se da armadura
Jônatas despojou-se ainda da armadura e a entregou ao amigo. Numa aliança de amizade, não basta colocar a capa para guardar e cobrir o outro; é preciso dispor-se a protegê-lo. Despojar-se da armadura é dizer: “Agora, dependo de você para me proteger dos meus inimigos.” São muitos os tipos de ataques a que estamos sujeitos no nosso dia-a-dia... Por isso, só nos sentiremos seguros e protegidos quando estivermos unidos numa comunidade de aliança. Talvez, nenhum outro sinal da aliança seja tão importante como este.
Se o lobo está atacando o rebanho e não o percebemos, é porque ainda não entramos em aliança uns com os outros. Um grupo que não aprendeu a defender os seus membros, não é um grupo ainda, mas apenas alguns religiosos, reunidos numa quarta-feira qualquer, simplesmente praticando uma inócua cerimônia paraeclesiástica (reunião liderada por leigos, fora dos limites do templo). Paulo afirma em sua primeira carta aos coríntios que, quando um membro sofre, todo o corpo sofre com ele. Paulo está afirmando que, quando estamos unidos, numa aliança orgânica, isto naturalmente acontecerá.
3. Despojando-se da espada
Jônatas despojou-se também da espada. Isso tem um significado duplo. De um lado, significa que estou me desarmando para o meu irmão. Caminharemos juntos, desarmados de qualquer atitude desconfiança.
Creio que podemos dizer que a Igreja é um lugar de gente desarmada. Se existe alguma arma, ela somente é usada contra o diabo. Não precisamos ser arredios e avessos à comunhão na vida da Igreja.
Precisamos correr o risco. Jesus correu o risco e foi traído por Judas. O mesmo risco também está sobre nós. Todavia, não temos medo de enfrentá-lo porque não vivemos em função das coisas do diabo, e sim, em função das coisas boas de Deus. Esperamos o melhor dos irmãos. Nunca suspeitamos ou fugimos da comunhão. Este é o motivo por que relutamos entrar numa aliança: é preciso entregar nossas armas e deixar a nossa defesa sob a responsabilidade de uma pessoa desconhecida.
De outro lado, entregar a espada implica abandonar um relacionamento superficial. Entregar a espada é interferir na vida do nosso irmão. É usar a espada não para ferir, nem para atacar ou agredir, mas para extirpar um tumor que está ameaçando a vida do amigo. Precisamos de pessoas que não tenham nenhum receio de interferir em nossa vida. Pergunte-se a si mesmo se existe alguém com a liberdade de tratar abertamente com você. Caso não exista ninguém, provavelmente o seu crescimento está comprometido. Quando estamos em aliança, a espada da verdade tem liberdade para atuar entre nós. O autor de Provérbios nos desarma de qualquer temor, quando afirma: “Leais são as feridas feitas pelo que ama” ( Pv 27.6).
Sempre existirá alguém que não aceita ninguém interferindo na vida dele. A justificativa é: “Ninguém tem nada a ver com a minha vida.” Mas isso é um grande engano. A partir do momento em que entramos para a Igreja, entramos também numa comunidade de alianças. Eu estou ligado ao irmão, e ele, por sua vez, está ligado a mim. Por isso a nossa comunhão não pode restringir-se apenas ao futebol, ou ao churrasco. Momentos de lazer juntos, são situações estratégicas para gerar comunhão. Mas o que a desenvolve e fortalece é a interatividade, em amor, entre os irmãos.
4. Entregando o arco
Nos dias de Davi e Jônatas, o arco não era, exclusivamente, uma arma de guerra. Sua prioridade maior era a caça. Ao entregar o arco a Davi, Jônatas estava dizendo: “Eu não vou deixar você na mão. Eu não sou rico; mas o que eu possuo, usarei para abençoar você também.”
Que coisa linda, quando um grupo se mobiliza para ajudar um membro que perdeu o emprego ou que, por outro motivo qualquer, precisa de ajuda financeira!
Um grande sinal de nossa aliança é quando nos dispomos a levar a mão ao bolso, tirar o nosso “arco” e entregá-lo ao nosso irmão.
Precisamos ser Igreja, e não apenas reuniões, encontros ou comunhão.
Precisamos ser Igreja nos compromissos e nos relacionamentos. Se toda a vida da Igreja resumir-se apenas a uma reunião de fim de semana, então eu não entendo ainda o que é a aliança do corpo. Se o meu compromisso com a Igreja é apenas para desempenhar um cargo, o que será de tantos que não têm cargo algum na Igreja? O meu compromisso é com o corpo, e não com a estrutura ou com o trabalho. Mesmo não fazendo coisa alguma, eu estou comprometido, porque tenho uma aliança com a Igreja e com o grupo familiar.
5. Entregando o cinto
Depois de entregar a capa, a armadura, a espada e o arco, finalmente, Jônatas entregou o cinto.
O cinto era usado para dar firmeza e sustentação.
Isso significa que o amigo é aquele que dá suporte. Nós somos a “escora” do nosso irmão. Se ele está com a perna quebrada, nós somos a “muleta” que o ampara.
Muitas vezes, é desagradável; outras vezes, é como um fardo pesado, mas o amor de Deus, em nós, nos dá graça para avançar. Fomos chamados para ser companheiros de jugo, diz Paulo (Gl 6.2; Fp 4.3).
As alianças, na Igreja, não têm caráter transitório. Ao contrário, são eternas. Na Eternidade, estaremos sempre juntos com esses mesmos irmãos que nos abençoam hoje.
Eu penso que uma das grandes diferenças entre o céu e o inferno é esta: o inferno é individualista, enquanto o céu é uma comunidade ajudadora.
Conta-se que, certa vez, um homem foi levado, respectivamente, ao céu e ao inferno. Primeiro, levaram-no ao inferno, onde ele viu uma grande mesa com todo tipo de comida saborosa. Contudo, as pessoas sentadas à mesa tinham uma deficiência: os braços eram retorcidos, para o lado de fora. Por causa desse defeito, elas não conseguiam levar o garfo à boca. Sempre que o faziam, o garfo seguia direção contrária. A agonia daquelas pessoas era terrível. Apesar de estarem famintas e diante de tão farto banquete, ninguém podia alimentar-se.
Depois, ele foi levado ao céu. Lá, ele viu uma mesa semelhante, e nela um grande banquete era servido. As pessoas ali também tinham os braços retorcidos para o lado de fora, mas todos riam e se alegravam tremendamente. Qual era o segredo? Era que, não podendo levar o garfo à própria boca, cada um deles colocava a comida na boca do vizinho, e assim todos se alimentavam.
O que dá à nossa vida um caráter celestial é justamente essa aliança de amizade e amor que temos estabelecido uns com os outros. É hora de nos despojarmos da capa, da armadura, da espada, do arco e do cinto. São as condições estabelecidas por Deus para mantermos relacionamentos vivos, numa aliança real de amor.
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